Boreout: o silencioso inimigo que sabota sua carreira

Seus melhores talentos não estão queimando, estão apagando. Entenda a síndrome do tédio no trabalho e como revertê-la para salvar sua produtividade e inovação.

Quando se fala em desgaste no ambiente de trabalho em tecnologia, o burnout — aquele esgotamento profundo por excesso de trabalho e pressão — é sempre o centro das discussões. No entanto, existe uma ameaça silenciosa e muitas vezes negligenciada que pode ser igualmente prejudicial: a síndrome de boreout.

Diferente do burnout, o boreout não é causado pelo excesso, mas pela falta. Mais especificamente, pela falta de trabalho desafiador, significativo ou que utilize as verdadeiras capacidades do profissional.

No contexto do desenvolvimento de software, um campo que atrai pessoas curiosas e resolvedoras de problemas por natureza, o boreout encontra um terreno fértil para florescer. Ele se manifesta quando um desenvolvedor talentoso é constantemente subutilizado, seja fazendo tarefas repetitivas e triviais, seja preso em longos períodos de espera por decisões burocráticas, ou ainda mantendo sistemas legados sem espaço para inovação. Como definiram os pesquisadores Peter Werder e Philippe Rothlin (2007), em seu livro que nomeou a síndrome, o boreout é um estado crônico de tédio, associado a sentimentos de ansiedade e culpa por não estar produtivo.

O que poucos gestores percebem é que um desenvolvedor entediado é um enorme risco para o projeto e para a empresa. A produtividade cai drasticamente, mas de uma forma perversa: a pessoa está fisicamente presente, mas mentalmente ausente — um fenômeno conhecido como “presenteísmo”. A qualidade do código é uma das primeiras vítimas. Sem motivação, o profissional não se importa em escrever testes robustos, em refatorar um código bagunçado ou em buscar a solução elegante. Ele tende a escolher a solução mais rápida e superficial, o que incrementa a dívida técnica de forma silenciosa e constante, como observado em estudos sobre engajamento e qualidade de software (Spector, 2006).

Para o indivíduo, as consequências são graves. O tédio crônico no trabalho é uma fonte significativa de estresse e pode levar à ansiedade, sentimentos de inferioridade e até depressão.

Há um paradoxo aqui: a pessoa se sente exausta ao final do dia, mesmo tendo feito muito pouco. Isso porque o esforço mental para se manter focada em uma tarefa monótona é enorme. Além disso, há o medo constante de que managers percebam que ele não está “produzindo” o suficiente, gerando uma culpa que alimenta o ciclo negativo.

Psicólogos como Mihaly Csikszentmihalyi, em sua obra sobre o estado de “flow” (1990), argumentam que a felicidade e a satisfação estão diretamente ligadas à realização de atividades desafiadoras que correspondam às nossas habilidades. O boreout é o oposto absoluto disso: é a desconexão total entre desafio e habilidade.

Como então combater essa síndrome? A solução começa com os líderes. Eles precisam sair da lógica de ver o desenvolvedor apenas como um recurso para fechar tickets e passar a enxergá-lo como um intelectual criativo que precisa de estímulo. Isso significa:

  1. Dar propósito: Conectar claramente a tarefa mais simples ao objetivo maior do produto. Por que aquele ajuste de API é importante? Como ele impacta o usuário final?

  2. Oferecer autonomia: Permitir que o desenvolvedor tome decisões sobre como implementar uma solução, que ferramentas usar ou como estruturar seu código. Micromanagement é um combustível potente para o boreout.

  3. Garantir desafio: Atribuir tarefas que estejam no limite da zona de conforto do profissional, promovendo crescimento. Um desenvolvedor sênior não pode passar meses apenas corrigindo bugs de baixa complexidade.

  4. Promover a inovação: Criar espaços para que ideias novas possam ser testadas, como hackathons ou dias dedicados a projetos pessoais que beneficiem a empresa.

Do lado do desenvolvedor, também é importante uma postura proativa. Conversar abertamente com o gestor sobre a vontade de assumir responsabilidades maiores, usar algum tempo ocioso para aprender uma nova tecnologia que possa ser útil para o time, ou até mesmo mentorar um colega mais júnior são formas de quebrar o ciclo do tédio.

Em última análise, o boreout é um sinal de que o potencial humano está sendo desperdiçado. Em uma indústria que vive da inovação e da criatividade, não há luxo maior do que ter talentos caros sentados em uma cadeira, desmotivados e infelizes.


Reconhecer e combater o boreout não é apenas uma questão de bem-estar; é uma estratégia essencial para reter grandes profissionais e construir software de qualidade.

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